O moderno no passado, o passado no moderno: O diálogo entre requalificações e novos projetos em Olinda e Recife, nos anos setenta.
Abstract
Que, no Brasil, os modernistas estiveram - se é que ainda não estão - na repartição, isto é, no IPHAN, foi o que bem analisou Lauro Cavalcanti, obtendo consenso. As atitudes conciliatórias que, então, tomaram em relação ao velho e ao novo continuam, no entanto, a ser objeto de debate. Para Carlos Eduardo Comas, por exemplo, as atitudes ao enfrentar o novo levaram sempre em conta as pré-existências. Mas, nem por isto chegaram resultados muito felizes, conforme apontara Lia Motta em relação às intervenções de Ouro Preto. Sem entrar no juízo de valor, ou seja, na qualidade dos resultados obtidos, o texto que aqui propomos investiga a inter-relação entre história e projeto, na prática dos arquitetos brasileiros modernistas, na década de setenta. Nesta década, em que as utopias dos sixties parecem ir progressivamente dando lugar a um sentimento historicista, ainda que diverso daquele dos pós-modernistas norte- americanos e dos contextualistas italianos, o país inicia um rearranjo do seu quadro cultural. Com um certo silencio dos grupos cariocas e com o exílio de Oscar Niemeyer, avança a hegemonia paulista, ao mesmo tempo em que, mais uma vez se "redescobre" o Nordeste como local das origens. O CNRC (1975) e a Fundação Pró-memória tomam a cena adiante do IPHAN, sob a batuta de Aluísio Magalhães. Os mestres da "escola do Recife" acompanham os ventos da época: brutalistas nos grandes projetos eles parecem sensíveis à história, para não dizer historicistas sobretudo em algumas residências. Mas esta sensibilidade é bastante enganosa, limitando-se a alguns detalhes, concessões talvez ao novo gosto das camadas favorecidas pelo milagre. A tese que aqui sustentamos é a de que os valores modernistas adotados por Delfim Amorim, consultor do IPHAN e morto em 1972 e, por Acácio Gil Borsoi se afirmam, no essencial, ao longo das décadas de setenta e oitenta através de suas obras e daquelas de seus discípulos, já então profissionais consagrados. Para testá-la vamos analisar algumas requalificações residenciais feitas em sítios históricos de Olinda e Recife (projetos de Acácio Gil Borsoi, Jório Cruz, Carlos Augusto Lira, Arquitetura 4 e Sonia Marques). Nestas, em geral, "esvazia-se" a casa colonial para nela introduzir a concepção espacial e estrutural moderna. A continuidade dos vãos é, freqüentemente acentuada pelos pisos revestidos de um só material e acentua-se a marcação das novas estruturas de pilares e vigas de concreto que, eventualmente substituíram a madeira, contrastando com os vedos brancos. Pergulados buscando ventilação e iluminação e mezaninos tirando partido dos altos pés direito coloniais proliferam. A estratégia do "esvaziamento" foi criticada em recente dissertação do Mestrado em Desenvolvimento Urbano (cf. PINA, André) por descaracterizar a lógica da arquitetura colonial. Independentemente da legitimidade desta critica, vale lembrar que com o "esvaziamento" - facilitado, sobretudo pela cobertura apoiada nas grandes vergas e nos muros laterais independente dos muros que separavam as alcovas e demais cômodos - mostra que os modernistas adotavam uma postura próxima aquela de Viollet le Duc em relação ao gótico. Mais interessante, ainda, no entanto, é que, ao cotejar estas requalificações, com a arquitetura ex-nihil da mesma época, poderemos encontrar, basicamente a mesma concepção tectônica, a utilização dos mesmos meios expressivos, através dos elementos construtivos. Dizer-se-ia que, paradoxalmente, mais do que nos novos projetos em terreno livre do constrangimento da pré-existência, nestas requalificações os valores modernistas se afirmaram de maneira contundente e livre. Talvez porque eles expressassem uma clientela de capital cultural diferenciado, muitas vezes os próprios arquitetos.