A RECICLAGEM DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: panorama internacional e exemplos brasileiros a partir da década de 1960
Abstract
RESUMO No cenário da arquitetura contemporânea relativo aos projetos de adaptação de edifícios históricos, uma das situações recorrentes corresponde à reciclagem daquilo que se convencionou chamar de patrimônio industrial. Fábricas, usinas, armazéns, mercados, galerias, estações ferroviárias e outros edifícios construídos a partir da segunda metade do século XIX e caracterizados pelos grandes vãos cobertos e pelas novas técnicas construtivas baseadas na estrutura metálica e no concreto passaram a ser reconhecidos como patrimônio apenas nas últimas décadas, no que Françoise Choay chama de “expansão tipológica do patrimônio histórico”. Esta inclusão no rol de bens patrimoniais de uma arquitetura relativamente recente e até bem pouco tempo considerada apenas pelo seu valor utilitário ocorreu principalmente a partir de polêmicas como aquela suscitada pela decisão, ocorrida em 1959 e levada a cabo entre 1972 e 1973, de demolir os pavilhões construídos por Victor Baltard em meados do século XIX para o Mercado de Les Halles, em Paris. Este trabalho tem como objetivo apresentar e analisar as principais intervenções de reciclagem do patrimônio industrial realizadas no Brasil e no mundo a partir da década de 1960. É possível identificar algumas dezenas de grandes intervenções de adaptação de exemplares de patrimônio industrial aos mais diversos usos, realizadas nas últimas quatro décadas, e esta difusão internacional é decorrente não somente da crescente preocupação com a preservação auto-sustentável destas construções como também do fato de corresponderem a edificações caracterizadas por grandes vãos, que podem ser facilmente adaptados aos mais diferentes usos – nem sempre, porém, sem que se comprometa a sua espacialidade original. Não são poucos, por exemplo, os casos de transformação destes edifícios em museus e centros de cultura. Também é possível encontrar diversos casos em que mercados construídos no final do século XIX e início do século XX com estrutura metálica vêm sendo adaptados em centros comerciais sofisticados. Por fim, grandes silos, gasômetros e complexos industriais e portuários construídos nos últimos 150 anos têm sido reciclados nas últimas décadas em complexos multifuncionais que incluem apartamentos, escritórios, lojas e diversos outros usos. Embora no Brasil a discussão sobre a preservação do patrimônio industrial seja bem mais recente do que em países como Inglaterra e França, podemos encontrar exemplos diversos de adaptação de antigos engenhos, armazéns e fábricas em cidades como Salvador desde pelo menos os anos 1960. O marco inicial das intervenções de reciclagem do patrimônio industrial no Brasil está certamente no projeto de restauração e adaptação do Conjunto do Unhão em Museu de Arte Popular, desenvolvido pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi entre 1962 e 1963. Desde então, diversas intervenções de reconversão e reciclagem de antigas fábricas, armazéns, estações ferroviárias e mercados vêm sendo realizadas em todo o Brasil, destacando-se projetos como o SESC Pompéia em São Paulo (Lina Bo Bardi e colaboradores, 1977-1986), o Teatro Paiol em Curitiba (Abraão Aniz Assad, 1971), o Centro Cultural Dannemann em São Félix - BA (Paulo Ormindo de Azevedo, 1987-1989), o Memorial da Imigração Japonesa em Registro – SP (Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, 1999-2000), a Sala São Paulo de Concertos em São Paulo (Nelson Dupré, 1997-1999) e o Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz em São Paulo (Pedro e Paulo Mendes da Rocha, 2000-2006). ABSTRACT In the contemporary architectural scenery of designing historical buildings reuse, one of the most common situations corresponds to recycling the industrial heritage. Industries, factories, warehouses, markets, galleries, train stations and other buildings raised from the second half of the XIX Century and characterized by huge covered spaces and by new building technologies based on iron or concrete structures only in the last decades had become recognized as heritage, in what Françoise Choay called “typological expansion of historical heritage”. The inclusion of a architecture that is relatively new and until a little time ago recognized only by its utilitarian value in heritage lists occurred mostly as a consequence of polemics such as the one raised by the decision, made in 1959 and accomplished only between 1972 e 1973, to demolish the pavilions of Les Halles Market, constructed by Victor Baltard in the middle of XIX Century. This paper aims to present and analyze the most important recycling interventions on the industrial heritage made in Brazil and in the world since the 1960’s. It’s possible to identify dozens of great interventions that adapt the industrial heritage to many different uses, made in the last four decades. This diffusion is not only a consequence of the growing concern with the autosustainable preservation of those buildings but also of the fact that they correspond to an architecture characterized by large spans that can be easily adapted to many different uses – not always, though, without loosing its original spatiality. For example, there are a lot of cases of transformation of those buildings in museums and cultural centers. It’s also possible to find many cases in which markets built by the end of the XIX Century and the beginning of the XX Century with iron structure are being adapted into sophisticated commercial centers. At last, huge granaries, gasometers and industrial or harbor complexes built in the last 150 years have been recycled in the last decades in multifunctional complexes that includes dwelling, offices, shops and many other uses. Although in Brazil the discussion about the preservation of industrial heritage is much more recent than in countries such as England and France, we can find many examples of the adaptation of old sugar mills, warehouses and factories in cities like Salvador since at least the 1960’s. The initial mark of the interventions that recycle Brazilian industrial heritage is certainly the project of restoration and adaptation of the Unhão complex into Popular Art Museum, developed by Italian-Brazilian architect Lina Bo Bardi between 1962 and 1963. Since then, many projects that recycle old factories, warehouses, trains stations and markets have been made around Brazil, such as the SESC Pompéia at São Paulo (Lina Bo Bardi and collaborators, 1977-1986), Paiol Theatre at Curitiba (Abrãao Aniz Assad, 1971), Dannemann Cultural Center at São Félix – Bahia (Paulo Ormindo de Azevedo, 1987-1989), Japonese Immigration Memorial at Registro – São Paulo (Marcelo Ferraz and Francisco Fanucci, 1999-2000), Sao Paulo Concert Hall at Sao Paulo (Nelson Dupré, 1997-1999) and Portuguese Language Museum at Luz Train Station at São Paulo (Pedro and Paulo Mendes da Rocha, 2000-2006).